Existo. Ou não

Sou loira dos olhos negros. Inventada. Sou a personagem em mim que esteve atenta o tempo todo, a que guardou, quebrou, misturou e pintou essas histórias. Sem ela, eu simplesmente não aprendo. Não conseguiria. Eu posso ser outras pessoas, uma grande alegria na vida duns, uma grande tristeza na vida doutros, mas, se escrevo, sou Cassandra. Se não sou, digo a ela: Cassandra, que saco! E a gente sai por aí. Discutindo e tomando uns goles. E a gente se mistura. A gente se conforta. Em Uberlândia, minha Macondo, minha London, minha Paris. O Alfredo? É meu incidente, reincidente.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Entre dentes de leão coloridos

Não consigo deixar de imaginar essa mulher correndo entre luzes que brilham como dentes de leão coloridos. Acontece sempre que vejo alguém tentando justificar seu amor pela vida falando incessantemente sobre si mesmo como se soubesse do que está falando. Eu não sei sobre o que estou falando, não sei se fica claro no meu discurso. E essa mulher é uma dessas imagens que me perseguem. Me perguntava (antes de ontem) se essa mulher não tinha a ver com algo. Porque talvez devesse persegui-la, não sei. 

Ontem eu me concentrei apenas nas luzes, dentes de leão coloridos e iluminados, como queira. Então não pude deixar de pensar que dentro de mim parece haver milhares de vetores partindo dessas pequenas luzes em direções contrárias, embora assim, ou mirem o chão, ou o céu, você sabe, as luzes. Não é exato descrever o gosto de pequenas constantes alegrias juntadas a umas tristezas que não passam. A própria tristeza de imaginar essa mulher correndo entre inúmeras direções, por exemplo, já é uma tristeza macia demais para ser evitada. Por algum motivo, se não a persigo, a vejo ir se cansando de tanto correr em tantas direções contrárias.

Também não sei se ela tem medo das luzes (e por isso corra em direção ao fim do túnel) se isso fosse um túnel, porque é escuro e não há estrelas, mas pequenas luzes como dentes de leão, assim eu disse. Uma coisa em mim se entristece ao vê-la, como se estivesse ela tão cansada, quisesse se sentar, tomar uma coca, não sei. Porque no centro da cidade a proteção do anonimato não a protege enquanto ela devia, mas não se sente só. Como poderia? Com todas essas luzes em direções contrárias ao seu redor.

Eu imagino que ela seja de Patos de Minas, ou de Ituiutaba, ou de Itumbiara, ou de Tupaciguara, e poderia querer descansar às vezes dessas pequenas viagens, sabendo que vai e que volta, sempre em direções contrárias...

... enquanto pensava sobre isso hoje, me perdi, quase não acho retorno na João Naves. Estava eu mesma, indo em direção contrária, à BR. Queria ir ao centro, persegui-la, achava que talvez ela tivesse caído em si, parado de correr, se sentado para tomar uma coca. Porque se muito se corre, muito se cansa e quem espera sempre alcança. Mas eu não podia mais esperar, nem ela me esperaria. Eu pensava isso hoje pela manhã: que tinha que persegui-la.

Mas as horas passam tão rápido e já, primeiro, eu erro o caminho, você sabe, não tenho tanto tempo assim. Não sei direito o que pensar, se vou e volto, eu também, sempre em direções contrárias. Não me admira que ela esteja chorando tanto por esses dias, sei bem como é isso. Quem sabe se não são as luzes que a perseguem, ou ela esteja perseguindo as luzes, e não ao fim do túnel. Se isso fosse um túnel, quem a quem estaria perseguindo?

Eu precisava mesmo de um encontro para saber, como então (?) se ela não me espera. Não. 

Queria que isso fosse uma música, sabe? Cantar me ajuda sempre a gritar mais alto por dentro. Porque talvez, se eu gritasse mais alto, ela ouviria, estivesse onde estivesse, e me esperaria então. Como poderia adivinhar onde, na imensidão de um centro de cidade, ela estaria tomando uma coca? Já comecei errando o caminho, depois o telefone toca, você sabe, eu ando muito ocupada para isso de persegui-la. Também não sou duas, três, sou uma só, ou sou eu mesmo um zilhão de vetores em direções contrárias? 

Agora, às onze, estou um quanto cansada, sabe, de persegui-la. Minhas mãos também tremem um pouco e não tenho fome. Mas ainda a vejo correndo entre essas luzes, como entre dentes de leão iluminados.

Não consigo deixar de pensar no quanto gostaria que isso fosse uma música. Quem sabe? Como eu poderia alcançá-la? Perguntar-lhe de onde estaria vindo e para onde estaria indo aquela mulher de cabelos até os ombros, usando um vestido maltrapilho e tênis para corridas. Correndo. Entre dentes de leão coloridos.



2 comentários:

Carla Jaia disse...

Que delícia o seu blog! Agradeço pela visita e por ter me trazido até aqui.

Não sei bem se entendo essa mulher que vc busca. E nem sei se é coisa de entender. Buscamos a outra porque buscamos - porque sair de si é urgente. Lá fora, onde ela corre. E corre. E também não sei se é coisa de alcançar. A gente não alcança, mas toca pedaços de beleza tristeza vida raiva intensidade que ela deixa cair por aí. Por aí...

Bjos

Cassandra disse...

Volto e, que surpresa ótima seus comentários!!

É que uma hora sou esta que busca aquela, outra, sou aquela que busca esta. E também não sei se é coisa de alcançar! :)