Depois dele, a felicidade tornou-se uma coisa simples, como
uma xícara de chá, é ele estar por perto, no quarto ao lado, enfiado nos meus
peitos, lutando docemente para me colocar nos eixos com coisinhas delicadas
como um almoço gostoso ou um documentário na cama. A ideia que eu tinha antes
sobre o amor era muito menos enfeitada, eu achava que a qualquer momento, um ou
outro acabaria enjoando de tudo e como nunca daria para adivinhar quem enjoaria
primeiro, eu sempre me preparava para o pior. Então o pior veio e passou como
veio, rápido, intransigente, doloroso, a gente se separou, foram umas horas,
acho, um dia talvez, o dia em que eu soube que não era, nem de longe, mais a
mesma, o dia em que eu soube que boa parte de mim como eu me conhecia antes
estava morta e enterrada. Agora eu sou uma coisa feita de duas pessoas, a que
eu sou e a que ele é enquanto me ensina a ser.
Eu não saberia definir exatamente o que essa coisa é, a
história de nossos vícios está entrelaçada, nossa co-dependência depende da
saliva que bebemos pela manhã como elixir de uma vida eterna. Os poetas que
sabem da magnitude desse vício, desse elixir, também sabem que não há vida
eterna e também sabem que o tempo se distorce nessas horas, como pela manhã,
quando bebemos salivas sonhadoras um do outro e o eterno tanto parece existir
que existe. Os poetas que sabem disso deixaram de discutir a questão depois de
Vinícius: é eterno enquanto dura e pronto. Mas e o paradigma do ‘posto que é
chama’ (?) e a razão enfiando-se na poesia para deixá-la aos pedaços (?) e a
contradição do ‘para sempre’ face ao eterno?
Eu não sei. Cada um inventa suas próprias regras para o
amor, mas, posto que é chama, há que haver algo que o alimente. Mesmo o sol,
quando se pensa sobre ele, não se pensa que durará eternamente, embora dure o
para sempre de uma vida, um dia, o combustível do sol vai acabar, um dia, o
combustível do meu corpo vai acabar e o combustível do amor?
Eu não sei. Não sei do que o amor de todo mundo se alimenta,
cada um inventa suas próprias regras para o amor, há os que consomem a si
mesmos em nome do amor, há os que preferem consumir o outro, há de tudo, o meu
amor consome as delicadezas da presença dele e acho que enquanto elas forem tão
intensas quanto as labaredas que levantam (posto que é chama) a felicidade vai continuar
a ser uma coisa simples, como uma xícara de chá (que dura para sempre). Fumegante.