Existo. Ou não

Sou loira dos olhos negros. Inventada. Sou a personagem em mim que esteve atenta o tempo todo, a que guardou, quebrou, misturou e pintou essas histórias. Sem ela, eu simplesmente não aprendo. Não conseguiria. Eu posso ser outras pessoas, uma grande alegria na vida duns, uma grande tristeza na vida doutros, mas, se escrevo, sou Cassandra. Se não sou, digo a ela: Cassandra, que saco! E a gente sai por aí. Discutindo e tomando uns goles. E a gente se mistura. A gente se conforta. Em Uberlândia, minha Macondo, minha London, minha Paris. O Alfredo? É meu incidente, reincidente.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Antes da tempestade

Minha casa era uma ruína só. As coisas se amontoavam, sei lá. Eu não queria ver. Preferia não olhar. Evitava. Quando começo a evitar minha própria casa, vou ficando refém da rua. Saio para a rua e não vejo mais pessoas, nem lugares, vejo somente a rua, a ausência total de teto, o alívio.


Se ele desabar, o teto da minha casa, penso, vou poder ver melhor as estrelas. Só se o teto desabar, só se puder dormir debaixo do teto arregaçado, vou poder voltar para a casa. Se o teto se abrir, se puder dormir ao relento, na rua, aliviada.


Foi há um tempo. Não sabemos exatamente quanto tempo. Porque era uma época de tristezas épicas e a gente prefere não se lembrar. Mas a gente sabe. Sabemos, pelo menos, que chovia e ventava. Ele se lembra que ventava. Eu me lembro que chovia. E a chuva e o vento se encontram em uma das poucas memórias que restaram tanto nele como em mim. A chuva e o vento se encontram naquele momento que precede a tempestade e ainda estamos juntos, na rua, sem a mínima vontade de voltar para a casa, sem dar a mínima para o urgir dum abrigo.


Você pensa que o acúmulo de palavras trocadas, ou o tempo lambido a dois, ou as horas e horas andando juntos por aí, é o que suscita (o fim (do avesso) que é) o começo de uma paixão entre dois amigos? 


Eu acho que é só um clique. Uma hora absorvo diferente sua delicadeza em olhar bem dentro dos meus olhos para verificar se estou realmente bem. E *Clique* não sei como classificar, não sei por que estou pensando nisso, mas, puxa, obrigada por se preocupar, te acho massa sabia? ... então... estou bem, preocupa não.


Clique: eu me exaspero. Passo a sentir dores no estômago toda vez que nos separamos. Passo a sentir dores no estômago e a emagrecer por isso.


E é aí que não sei. Não sei. Não sei se é recíproco. Pelo que me lembre: ele me parecia bem alimentado.  Um observador menos atento diria até que ele andava feliz. Nem todo mundo sabe que o Alfredo não faz o tipo feliz: quando ele está feliz, faz o tipo EXTREMAMENTE feliz, zuado de feliz, rindo em todos os cantos, iluminado, beirando o embaraçoso.


Ele estampando riso ameno é outra coisa.


Na época eu queria crer que o riso ameno fosse qualquer coisa,,, ,, tudo e qualquer coisa,,, ,, menos reflexo daquela escancarada vontade dele de sumir do mapa por uns tempos. Eu tinha medo que essa vontade estivesse se solidificando em algum canto de sua cabeça. Porque depois que esses desejos se solidificam, se nos negamos a realizá-los, passam a nos ameaçar de morte. Eu tinha medo que ele ficasse refém do desejo, que o desejo de sumir se solidificasse e expandisse, até que não tivesse outro jeito a não ser anunciar umas dezenas de despedidas.