Existo. Ou não

Sou loira dos olhos negros. Inventada. Sou a personagem em mim que esteve atenta o tempo todo, a que guardou, quebrou, misturou e pintou essas histórias. Sem ela, eu simplesmente não aprendo. Não conseguiria. Eu posso ser outras pessoas, uma grande alegria na vida duns, uma grande tristeza na vida doutros, mas, se escrevo, sou Cassandra. Se não sou, digo a ela: Cassandra, que saco! E a gente sai por aí. Discutindo e tomando uns goles. E a gente se mistura. A gente se conforta. Em Uberlândia, minha Macondo, minha London, minha Paris. O Alfredo? É meu incidente, reincidente.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Você precisa se reinventar!

Tenho passado muito tempo estudando a mim mesma, como quem escarafuncha minuciosamente cada detalhe da nova cidade para qual se mudou, como quem adora se mudar, deixar os pedaços velhos de si para trás. Eu não poderia contar todas as coisas que tenho descoberto nem que escrevesse alguns milhares de livros.

Por exemplo: não devia perder tanto tempo com ninharias, quanto tempo perco apontando dedos (?) como quem coleciona rancores. Pelo menos eu acho que nunca consigo descobrir de onde vem tanto rancor, às vezes eu vejo descer pelos olhos como única forma de aliviar.

Sabe, gostaria de pedir perdão a cada pessoa que me magoou, mas eu não consigo perdoar.

Talvez à distância. Quando tudo se mistura às multidões. Quando somos um bailarino num flashmob de milhares, quando tudo em nós é igual, nossas formas, nossas cores, tudo se mistura, somos tão parecidos que gostamos de bater palmas nessas horas. À distância eu estou sempre desejando que a humanidade um dia se una de verdade para bater palmas num pôr de sol. Contra a vida, a fé, o mundo, a humanidade, eu não guardo rancores.  Mas aqui e ali me classificam como uma hippie inocente e um tanto estúpida. Assim, eu acabo preferindo assistir à humanidade de longe, e, de preferência não participar de quase nada.

Odeio que me chamem de hippie, embora tenha que admitir: tenho muito de hippie. Passei grande parte da vida tentando me disfarçar de gente normal (não-hippie). Mas, não sei, acho que algo me escapa pelos olhos, talvez meu profundo amor pela humanidade mesclado ao meu desinteresse genuíno pela vida alheia. Às vezes olham pra mim como se eu fosse dissolver um mistério a qualquer momento, mas eu navego distante, num mundo que teci cuidadosamente em fios de imaginação. Tenho que admitir: vivo no mundo da lua.

No momento, tento trazer esse mundo para a Terra para que a Terra o conheça. Eu prefiro enxergar Terra não como planeta, mas como terra, barro, chão nesse caso. Porque só há uma maneira de se fazer isso, meus caros: contando o que eu vejo quando tenho os olhos perdidos, dando acesso irrestrito à única coisa que me protegeu desde que nasci: minha imaginação. Acesso a quem? A mim mesma, a minha consciência. Seria como conhecer meu pai, minha mãe, a força que me protegeu em cada encruzilhada perigosa, que me meteu num mundo de doces ilusões, que me impulsionou a continuar caminhando com as pernas quebradas, que me faz levantar todos os dias: a força da minha imaginação.

Numa tarde, um senhor magro, trajando um terno preto e um chapéu preto maior que sua cabeça sentava-se sob a única árvore de uma paisagem plana e verde. Levantou-se, caminhou em minha direção e me apontou o dedo: você precisa se reinventar, ele disse. Às vezes, só é preciso começar a pensar sobre isso.