Existo. Ou não

Sou loira dos olhos negros. Inventada. Sou a personagem em mim que esteve atenta o tempo todo, a que guardou, quebrou, misturou e pintou essas histórias. Sem ela, eu simplesmente não aprendo. Não conseguiria. Eu posso ser outras pessoas, uma grande alegria na vida duns, uma grande tristeza na vida doutros, mas, se escrevo, sou Cassandra. Se não sou, digo a ela: Cassandra, que saco! E a gente sai por aí. Discutindo e tomando uns goles. E a gente se mistura. A gente se conforta. Em Uberlândia, minha Macondo, minha London, minha Paris. O Alfredo? É meu incidente, reincidente.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Lixo 2

Quando eu era criança, gostava de ficar umas horas na cama olhando para minhas próprias mãos.

Entrelaçava meus dedos, soltava-os, fazia suas pontas se beijarem, depois escorrerem até a palma de uma e de outra mão, ou fechava os punhos e explodia os dedos como uma granada que se abrisse.

Quando era criança, me sentia tão sozinha, não sou do tipo que tem saudades da infância. Eu sabia menos e tudo que eu não sabia me deixava louca, me deixava tão sozinha. Eu gostava de ficar na cama brincando com as minhas mãos, como se houvesse mágica, como se qualquer explicação ausente estivesse no silêncio e o silêncio fosse pura mágica. Eu não sabia que podia ser ferida daquela maneira, tanto sofrimento, tantos quartos escuros, tantas lágrimas, eu era uma criança, eu não sabia, as crianças não sabem, não sabem de nada, desconhecem suas próprias feridas, a única proteção que têm, de fato, é mágica, uma coisa que eu intuía quando me enfiava no silêncio das minhas mãos mudas. 

Às vezes eu fugia, andava, andava, andava, andava, mas todo o tempo, fosse aonde fosse, me sentia tão sozinha. Só minhas mãos me acalmavam, ou o silêncio que elas produziam, então eu me deitava e gastava umas horas pensando no quanto gostava delas. Podia ser que nada, nenhuma outra coisa em mim eu gostasse, a não ser delas, de mirar-lhes, às vezes bater palmas e, depois, ouvir o silêncio que se seguia. 

Agora elas agarram uma vassoura e varrem para longe cada lembrança dolorida, eu limpo, eu quero todos vocês bem longe da minha criança, eu sou a mágica que a protege, minhas mãos são imensas, maiores que as mãos dum homem, eu sou o silêncio da minha criança que chora porque se sente tão sozinha, eu sou duzentas toneladas de poesia que para vocês não valem nada, mas são minhas mãos que limpam, por isso eu sou o mau cheiro, o desconforto, eu varro todos vocês para longe, eu jogo detergente e água quente em cada crosta de mentira, eu esfrego até tudo sair, e atiro álcool e vinagre no mofo das frases úmidas.

O lixo é o outro lado da limpeza e aquele que limpa, fede, tem as mãos feridas e vermes.

Minhas mãos doem: cortes, queimaduras, feridas. Eu substituo suas falácias pelas minhas músicas favoritas e tudo vai ficar cheirando a jasmim, tudo vai ficar cheirando à Bjork - minha musa, beija e cura cada ferida em minhas mãozinhas, por isso choro quando ouço esta música e a canto para minha própria criancinha "Jump off, Your building's on fire, I'll catch you, I'll catch you, Destroy all that is keeping you down, And then i'll nurse you".... 

Eu costumava fazer mágicas quando era criança, eu tinha mãos mágicas, mas onde foi que coloquei meu livro de feitiços? Eu limpo, eu jogo tudo fora, eu procuro meu livro, minhas mãos e o silêncio que elas produzem como um dia produziram. 


Vai Biiijórrrk, limpa a minha alma, tira dela todo o lixo:







Come to me (BJORK)

Come to me
I'll take care of you
Protect you
Calm, calm down
You're exhausted
Come lie down
You don't have to explain
I understand
You know
That i adore you
You know
That i love you
So don't make me say it
It would burst the bubble
Break the charm
Jump off
Your building's on fire
I'll catch you
I'll catch you
Destroy all that is keeping you down
And then i'll nurse you
I'll nurse you
Come to me
I'll take care of you
You don't have to explain
I understand

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