Existo. Ou não

Sou loira dos olhos negros. Inventada. Sou a personagem em mim que esteve atenta o tempo todo, a que guardou, quebrou, misturou e pintou essas histórias. Sem ela, eu simplesmente não aprendo. Não conseguiria. Eu posso ser outras pessoas, uma grande alegria na vida duns, uma grande tristeza na vida doutros, mas, se escrevo, sou Cassandra. Se não sou, digo a ela: Cassandra, que saco! E a gente sai por aí. Discutindo e tomando uns goles. E a gente se mistura. A gente se conforta. Em Uberlândia, minha Macondo, minha London, minha Paris. O Alfredo? É meu incidente, reincidente.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Meu deus, Vinícius!


“Há por aí uma mania de se pedir as coisas mais absurdas a quem se ame. Que o amado ame o amante de volta, de preferência, com igual intensidade e eternamente, por exemplo. Mesmo sabendo que não faz lá tanto sentido assim, há quem nem mesmo peça: exija. Eu mesma devo ter feito isso já uma ou duas vezes, embora tenha muito mais que dois inimigos feitos sob o pseudônimo de amor.” Cassandra.

Preguei essas considerações em cima do retrato de família feliz que devia alimentar meus sonhos femininos (kamon). Daí meu estranhamento com a quantidade absurda de convites casamentosos que recebi nos últimos dias. Vou a todos de bom grado, carregando meus mais sinceros votos de felicidade porque costumo gostar de verdade dos apaixonados graças à minha personalidade rastafári de cabelos pranchados. Fico leve, esotérica, dançarina, maquiada, alta, bêbada, espalhando a felicidade que desejo e imagino para os casais que se fantasiam para subirem em seus altares.

Mas esqueço-me da análise que deveria fazer sobre os vestidos das moças para imaginar que o próprio altar poderia ser o símbolo do ápice da loucura do amor. O que é mais recorrente, no ápice da loucura do amor, é que se case para exigir do outro que a loucura dele nunca mais acabe. A coisa toda não é uma inteira e completa loucura só? Que seja então um pacto, um acordo comum, uma decisão espontânea e racional, (leia a próxima frase em seu tom mais irônico) afinal e teoricamente, nós não estamos em uma sociedade que obrigaria um a ficar com o outro se não houvesse amor, não é mesmo? Mas, se você mal sabe de onde o amor veio, como poderia saber para onde ele está indo? Não há ninguém no mundo que tema o casamento, o que se teme, é claro, é o divórcio.

Não me entenda mal. Não estou aqui dizendo que o amor de todos irá desmoronar como os icebergs do superaquecimento global.  Por trás da orelha esquerda dessa figura fantasmagórica minha, que hora está e hora não está, há uma pulga assoprando dia e noite que, se algo poderia ser eterno nesta vida, seria aquela centelha de amor, uma que explode, incendeia e só se apaga quando o combustível queimou-se todo. Eu recorreria aos poetas para aprender sobre os combustíveis que alimentam o amor, não aos formulários ou às religiões para quem o tema foge muito – quando não completamente – do assunto.

Por isso, à certa altura do campeonato, quando em mim mesma tive que derreter umas tantas geleiras ali no peito formadas por uns tantos divórcios assinados ao vento mesmo, ah, não foi trabalho dos mais fáceis. Se o fiz, o fiz com minha bíblia de uma página só para viver um grande amor do Vinícius debaixo do sobaco. Tive que enfiar a cara até mesmo em seus ovos mexidos para encontrar as entrelinhas que eu precisava. Só depois de umas cinco leituras de estudo é que pude fundar a religião e a igreja na qual, eu e o bem-amado - quando o encontrasse -, nos casaríamos abençoados por Vinícius.

Obviamente, não me detive à questão de gêneros do poema. Eu posso, em qualquer voz que me couber, fazer do meu corpo um estrado onde enclausuro meu ser amado e me posto de fora com um espado. Chamo isso de licença poética, uma das virtudes pregadas pela minha religião que, naturalmente usa da própria licença poética para chamar-se de religião posto que só eu creio nessas coisas. Porque estou sempre disposta a me postar de fora do meu corpo com um espado para proteger meu bem amado de seu lado errado. E espado, pode ser definido como uma disposição constante de ouvir e entender a quem eu amo.

Todo mundo tem seu lado errado, sua sombra. Não foi Jung quem disse isso?

Que não há fantasmas no poema, isso já se sabe, o que já vai deixando de ser claro é sobre o que eu estaria falando, já que, na minha ou nas outras religiões, “tudo isso adianta pouco, se neste pântano obscuro e louco não se souber achar o bem-esposo — para viver um grande amor.”

Nenhum comentário: