Existo. Ou não

Sou loira dos olhos negros. Inventada. Sou a personagem em mim que esteve atenta o tempo todo, a que guardou, quebrou, misturou e pintou essas histórias. Sem ela, eu simplesmente não aprendo. Não conseguiria. Eu posso ser outras pessoas, uma grande alegria na vida duns, uma grande tristeza na vida doutros, mas, se escrevo, sou Cassandra. Se não sou, digo a ela: Cassandra, que saco! E a gente sai por aí. Discutindo e tomando uns goles. E a gente se mistura. A gente se conforta. Em Uberlândia, minha Macondo, minha London, minha Paris. O Alfredo? É meu incidente, reincidente.

domingo, 5 de dezembro de 2010

Cassandra! Você precisa sair!

De longe, vejo uma multidão. Por isso me aproximo. Afasto um com os ombros, outro com as mãos, a uns poucos, peço licença. Não há fila no caixa improvisado, olho pela fresta escura, compro meia dúzia de papéis, troco por uma cerveja que a menina de cabelos bem compridos retira do gelo enquanto reclama dos dedos mortos.

Arrebento (e jogo fora) um longo fio de cabelo antes enroscado no lacre da lata, bebo.

Dirijo-me até o centro da multidão, abro os dois braços, os levanto até a altura dos meus ombros. Rodopio. Meu espaço foi aberto. Começo a costurar meu universo paralelo em espiral. Sorrio. Troco mais papel por cerveja. Sinto que poderia dançar, nua, se fosse possível, bato meu pé direito, repetidamente, e só meu lado direito dança. Gosto sinceramente desta música. Está mais leve que de costume, essa que não é Cassandra. Vou acompanhá-la e dançar inteira. Desde que haja tambores. Dançarei.

Meu amigo se aproxima, se não quiser me consertar, pode. Não estou estragada, estou dançando. Pega na minha mão, a levanta, eu abaixo minha cabeça, me entorto toda, grito: Estou excessiva? Acho que não, ele diz. Acho que posso fazer um passo. Você me joga para cima e me passa por debaixo das pernas. Ele diz que não conseguiria me segurar. Estou gorda? O que? Estou gorda porque ando bebendo de segunda a segunda. Já reparou que: a total falta de sentido da vida faz todo sentido quando estamos bêbados? Ele não ri. Entendeu, mas não achou engraçado. Meu telefone toca. Olha, minha amiga está jogando sinuca, quer ir?

Três das pessoas constantes neste carro são completamente desconhecidas e levemente desagradáveis. O moço no banco do passageiro é grosseiro, infantil, asqueroso.

As minhas bolas são pares. Devo derrubá-las. Derrubo-as. Tenho sorte de principiante, dizem. Derrubo muitas. Faço cálculos mentais, força, velocidade, ângulo. Me julgo boa nisso. Sorrio. Mas já não sorrio mais como antes. Estou cansada. Nesse tipo de espelunca nunca se tem o que comer. Olho o cenário todo: se tiro os elementos humanos, fica tudo menos denso. O caldo, o calor, o suor.

Alguém se aproxima. Me saio bem. Ganho mais um amigo leitor de Herman Hess. Nunca li Herman Hess. Achei um pouco indigno do Alfredo terminar comigo antes que eu terminasse com ele. Eu rondo essas espeluncas porque de certa forma sou invisível aqui. Dizer para eu não procurar, não ligar. É dizer para eu ser invisível. Eu sou.
Ai meu deus, estou conversando com a geladeira. Um passo a frente para sentir a brisa da madrugada. Não foi dessa vez que consegui passar a noite sem pensar nele. É só esse o peso de toda noite divertida em vão.

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