Existo. Ou não

Sou loira dos olhos negros. Inventada. Sou a personagem em mim que esteve atenta o tempo todo, a que guardou, quebrou, misturou e pintou essas histórias. Sem ela, eu simplesmente não aprendo. Não conseguiria. Eu posso ser outras pessoas, uma grande alegria na vida duns, uma grande tristeza na vida doutros, mas, se escrevo, sou Cassandra. Se não sou, digo a ela: Cassandra, que saco! E a gente sai por aí. Discutindo e tomando uns goles. E a gente se mistura. A gente se conforta. Em Uberlândia, minha Macondo, minha London, minha Paris. O Alfredo? É meu incidente, reincidente.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Rúbia, minha porca borboleta

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__ Não suporto essa gente. Aquilo nunca leu um livro, acha que é intelectual porque é sujo. Já viu como tem a pele sebosa? Que nojo! Sabe? Outro dia, chegou encostando em mim! Me deu ânsia. Você acredita? Nem. Será que ele acha que eu estou super afim? Nem. Faz meu tipo não. Dá uma preguiça desse povo sentado embaixo de árvore, recitando cânticos, sabe? Isso me intriga: quem sustenta a maconha desses desocupado? E essas festa escura? Gente uivando pra fogueira, o que é aquilo? Me explica? Chega a me dar arrepios. Uma vez ou outra, vá lá, mas toda semana? O que tem de gente sem o que fazer no mundo, vou te contar, viu(?) Mas quando tudo está pior, o pior acontece: começam a espancar aleatoriamente meia dúzia de instrumentos e chamam de “música”. Que porra foi aquela da última vez que você me convenceu a vir num troço desses? Do nada, eis que surge um cara com máscara de porco, e outro, e mais outro, e um outro que começa a grunhir, literalmente, no microfone. Ai Cassandra, espeto de gato? Que nojo. Não sei como você come isso. Alías, não sei o que você vê nisso. Se ainda tivesse um broto pra paquerar, você precisa esquecer esse Alfredo. Você tem uns gostos tão estranhos, Cassandra. Sabe quem te achou linda? O Dudu. Te convidou pra ir da próxima vez com a gente para o rancho. E ele é Dudu caralho mesmo, viu engraçadinha? O rancho dele tem lancha, Jet Ski, a gente passa o dia todo na beira da piscina. Uma delícia. Olha aquele sujeito ali com aquele cabelo imundo! Pra fazer aqueles rolinhos ele passou oito anos sem tomar banho. Crédo. Nem. Não quero mais cerveja não. Náuseas. Sempre me pergunto: cadê a família dessas crianças? Porque é tudo filhinho de mamãe e papai, você sabe né? Criado a leite com pêra metido a revoltado. Sabe o que falta? Uma boa bacia de roupa suja para lavar. Gente! Vinho se toma no inverno. Regra básica. Nessa porra de calor, vão servir vinho? Brasileiro é povinho mesmo, cai dois graus no termômetro e sai neguinho de cachecol e luva. A cerveja acabou? Como assim? A organização de festa desse povo é assim: oh, quinta, tipo, sei lá, umas, xô ver, âhn, é, umas oito. O que fumou menos, contesta: oito não pode, tem que ser depois das dez e meia. Se não (?) nem isso! Ninguém se lembra de comprar a cerveja, arrumar uma banda decente pra tocar. Merda, Cassandra, enfiei o pé na lama. Me ajuda aqui. Olha isso, nem, perdi, minha sandália. Deixar de molho? É bom? Sei não, viu. Ah. Conheço aquela menina descalça ali. Gente boa. Você olha assim e pensa que ela é malucaassa e não sei que, mas ela é suuper de boa. Estudiosa, inteligente, fala francês, gosta de jazz. Se ela caga cheiroso? Não, tô falando sério, ela é gente boa mesmo, atriz, tá certo que eu não entendo muito bem as peças de teatro dela, mas já fui assistir a duas... e, por falar nisso, o que quer dizer o nome dessa banda? Borboletas sujas? Pau de bosta? Sério? Ainda bem que mudaram, né. Céus.Tenho certeza que nenhum desses meninos tem mãe. Não é possível. Gente. Meu cabelo está fedendo a fumaça. Não. Está fedendo a diferentes fumaças. Parece que essa fumaça entra na alma da gente e mesmo depois de lavar, não sai do cabelo. Olha isso. Não. Olha isso. Quantos anos essa menina tem? Doze? Criou peitinhos, mete um colar de côco, um cigarrão na boca e se acha. Se. Acha. Tenho um nojo de cigarro, sabe, não suporto. Mas. Gente. Está estampado em todos os anúncios: faz mal à saúde e as pessoas, num ato de estupidez sobrenatural , fumam. Agora. Me explica. Não querem morrer? Chegam baforando fumaça na cara da gente, empurrando, como se fossem superiores. Educação. O que falta neste país é educação. Se bem que, é a pobreza de espírito que me desagrada. As pessoas precisam aprender a conviver melhor umas com as outras, a respeitar o espaço do outro, sabe?



__ Quê? Rubinha, desculpa, não te ouvi. O que você estava falando? Da menina lá, que caga cheiroso? Rubinha, meu amor, vamos parar de subtrair e começar a acrescentar? Quer um gole? Relaxa, dor de barriga é ótimo para limpar as toxinas do organismo. Bóra pra frente ouvir um barulho? Vai começar o show. Ainda bem. Meu ouvido não é pinico.



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