Existo. Ou não

Sou loira dos olhos negros. Inventada. Sou a personagem em mim que esteve atenta o tempo todo, a que guardou, quebrou, misturou e pintou essas histórias. Sem ela, eu simplesmente não aprendo. Não conseguiria. Eu posso ser outras pessoas, uma grande alegria na vida duns, uma grande tristeza na vida doutros, mas, se escrevo, sou Cassandra. Se não sou, digo a ela: Cassandra, que saco! E a gente sai por aí. Discutindo e tomando uns goles. E a gente se mistura. A gente se conforta. Em Uberlândia, minha Macondo, minha London, minha Paris. O Alfredo? É meu incidente, reincidente.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Rockeira e suave

Quando criança, eu morava numa fazenda, e, quando algo dava errado, ou pós briga de irmãs, ou contrariada... eu saía andando, andando, andando. Gostava de ir além da gameleira, atravessar a ponte de madeira úmida e encontrar a goiabeira de goiabas brancas e bichadas.


Sou uma dessas pessoas suaves, não sou?


Eu não queria ser. Acho que nunca quis ser nada do que nasci sendo. Eu andava até lá, não pelas goiabas que, embora mais doces, eram quase todas muito bichadas. Eu ia até lá porque achava distante. O mundo ficava longe e imenso.


Eu gostava.


Mas tinha certeza de que, ainda que andasse e andasse e andasse, e andasse ainda um pouco mais, nunca poderia me esconder do que vivia fugindo.


As goiabas brancas eram mais doces que as vermelhas. Via nisso um motivo para bicharem mais fácil. Eu ia lá, comia um pouco da casca, jogava o resto no rego d’água e olhava o horizonte. Queria fugir, mas sabia que poderia andar, andar, andar, andar, andar e ainda assim, estaria dentro de mim. Nasci doce e suave.


As pessoas diziam que eu era uma criança suave, um doce de criança. Diziam que eu me casaria cedo, tão logo me apaixonasse. Mas eu sabia que suas previsões estavam erradas, pois oras! Ora eu desconfiava da vida, ora, do amor. Ora, essa desconfiança me doía e eu desejava me apaixonar logo, casar-me logo, ter filhos logo, para chegar logo na parte em que o ano letivo da vida acaba e a gente morre. Eu pensava assim quando criança.


E pensava nas goiabas brancas: mais doces que as vermelhas, cheias de pontos pretos nas cascas, cheias de bichos ainda mais brancos que sua polpa, apodrecidas, engolidas pelas albinas minhoquinhas inquietas. Perguntava-me qual a razão da existência dos bichos de goiaba se elas eram tão doces e bonitas quando sãs.


Olhava o horizonte e cismava: ainda que eu fosse longe, ainda que eu andasse perseguindo o horizonte, ainda assim, estaria dentro de mim. Por outro lado, estaria longe das pessoas que já iam deixando pontos pretos em minha casca. Pelo menos, eu estaria comigo mesma, seja lá quem eu fosse.  Eu era assim criança, queria fugir. Não queria ser nada daquilo o que diziam que eu era.


E é por isso que acho que nasci rockeira, uma rockeira suave, mas rockeira. E eu não imagino nenhum outro rockeiro que não tenha nascido assim, sem jeito no mundo, desconfiado da vida, desconfiado do amor, ainda mais desconfiado de suas próprias teorias.


Tenho umas opiniões quanto à isto: um rockeiro de verdade: sempre trai o movimento. Porque um rockeiro de verdade sempre está melhor sozinho ou na companhia dos seus – que provavelmente não fazem parte de nenhum movimento. Os rockeiros de verdade, entre si, cagam e andam para coisas diferentes, mas cagam e andam, necessariamente. Inclusive para outros de sua espécie.


Sou suave. Não falo mal das pessoas que estão produzindo alguma coisa quando poderiam estar roubando ou matando. Respeito inclusive o tosco. Respeito ainda mais o bem elaborado, as sinfonias barulhentas da maturidade.


Sou suave. Quase não agrido, mas nasci rockeira, sem jeito no mundo, incomodada. Gosto de barulho. Anuncio antes de desenrolar algumas coisas sobre barulhos aqui.



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