O termômetro não acusa, mas tenho certeza: estou com febre. Pele ardida, xixi quente, olhos arenosos, vida amarga. Eu sei. É febre. O termômetro diz que não: “trinta e seis graus vírgula oito”. Para os termômetros, eu nunca tenho febre. Sou invencível, imortal, não adoeço, estou sempre ótima.
Putz... eu que sei ... calafrios constantes... diagnósticos imprecisos.
Então é o que? Estresse, angústia, saturno. Febre não é, diz o termômetro.
... vixi ... eu que sei dessas febres... o Gabriel Garcia Márquez sempre me olha com seus olhos de bruxo impregnados de solidariedade existencial para declarar, solenemente, em bom português: isso não é febre, é poesia.
Gabo – digo em réplica: nem fodendo eu vou escrever agora. Estou com febre.
Tinha tempo que não nos falávamos. Ele acende logo um cigarro e vai até a janela ver a cidade escondida atrás do prédio gêmeo da frente. Diz: te falei... ...
... que você conseguiria resolver esse seu problema com o Alfredo.
Resolver? Ele foi embora, me deixou, foi-se – gesticulo cortando meu próprio pescoço. Minha risada ecoa na sala.
Ah Gabo, eu não podia mais ficar saindo por aí carregando um cobertorzinho para me aquecer o frio dos ossos, sabe? Ele, o Alfredo: cismado daquele jeito. Era uma cisma dele, uma coisa que ele tinha que escarafunchar. Ele consigo mesmo sozinho. Fiquei pensando que talvez houvesse uma beirada do mundo sobre a qual a maldição dos Buendía não tenha recaído. Você não acha que Uberlândia tem alma de Macondo? Eu podia me mudar, não sei. Ele queria dar conta do mundo. O Alfredo. Eu mal dou conta de mim. Ele quis ir. Senti que ele queria ir, o deixei ir mais fácil.
Gabriel Garcia Márquez gargalha certa tuberculose para dizer num português inventivo: agora que estás só, vais escrever ou não vais?
Eu, em réplica: sobre o quê? Sobre minha febre? Põe a mão na minha testa, Gabo? Estou com febre, não estou?
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