Existo. Ou não

Sou loira dos olhos negros. Inventada. Sou a personagem em mim que esteve atenta o tempo todo, a que guardou, quebrou, misturou e pintou essas histórias. Sem ela, eu simplesmente não aprendo. Não conseguiria. Eu posso ser outras pessoas, uma grande alegria na vida duns, uma grande tristeza na vida doutros, mas, se escrevo, sou Cassandra. Se não sou, digo a ela: Cassandra, que saco! E a gente sai por aí. Discutindo e tomando uns goles. E a gente se mistura. A gente se conforta. Em Uberlândia, minha Macondo, minha London, minha Paris. O Alfredo? É meu incidente, reincidente.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

A coisa que eu tenho

Muitas vezes me sento diante do computador e, olhando a tela vazia, sinto um esfriar no estômago, um sobressalto: pronto, perdi. Perdi a coisa que eu tinha. Perdi porque não dei atenção, não alimentei, deixei morrer à míngua. Fiz de propósito. Matei porque quis mesmo, matei de propósito.

Mas aí quem morre sou eu.

A coisa que eu tinha era assim de me armar para escrever e sentir o entusiasmo de ter chegado à única verdadeira festa que existe: a festa com os deuses: os únicos deuses que existem: os que criam universos.

Sentam-se ao meu lado e começa a bebedeira que, sem ressaca, deixa marcas nas costas, nos dedos, na alma. Eu sempre começo a brincadeira dizendo: há um carro amarelo à porta de casa. Do que os deuses riem muito. O próximo deus a falar, sugere o que fazer com o carro.

Mas aí eu sumo. Não sei. Não quero mais. Cansei. Preciso de um tempo. Que pena (!) ou não, os deuses não saem do meu peito e eu preciso deixar de alimentá-los porque quero que morram.


Nunca morrem. Comem um embasbaco meu vendo o pôr-do-sol, um sorriso meu vendo uma criança se enrolar no iô-iô, uma compaixão sufocante vendo o erro do que erra e não vê. Eles sabem se alimentar de mim, às vezes emburram, eu muito me assusto, eles voltam.


Talvez daí, venham meus acessos de solidão induzida. Talvez. Porque dois ou três deuses no peito, meus caros, me fazem a companhia dum mundo inteiro.


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