Existo. Ou não

Sou loira dos olhos negros. Inventada. Sou a personagem em mim que esteve atenta o tempo todo, a que guardou, quebrou, misturou e pintou essas histórias. Sem ela, eu simplesmente não aprendo. Não conseguiria. Eu posso ser outras pessoas, uma grande alegria na vida duns, uma grande tristeza na vida doutros, mas, se escrevo, sou Cassandra. Se não sou, digo a ela: Cassandra, que saco! E a gente sai por aí. Discutindo e tomando uns goles. E a gente se mistura. A gente se conforta. Em Uberlândia, minha Macondo, minha London, minha Paris. O Alfredo? É meu incidente, reincidente.

segunda-feira, 28 de março de 2011

De onde nascem os poetas

Ainda que oscile de um lado para o outro, sempre me entendo melhor com minhas dúvidas. Como naquele tempo em que quis ter filhos porque até mesmo os dias de inverno andavam bonitos. E se os tivesse tido? Gêmeos de dedinhos tortos e cabelos encaracolados, pequenos macaquinhos se embrenhando nas árvores da ilha que eu tinha criado. Planejei: não saberiam falar inglês, não lutariam karatê, não seriam ótimos empresários e eu mesma os ensinaria a nadar, todos os dias, seriam duas crianças poetas. Nove meses depois, não nasceram. Também! os invernos voltaram a ser demasiadamente frios.

Mas sempre me pego pensando se de fato não os tive. Se não estão em algum lugar em mim, fecundados. Ou como se explica que, nas horas de solidão extrema, eu me transporte àquela casa de flores e amores: ali me esperam meus dois pequeninos macacos. Recebem-me com saltos efusivos, contam-me histórias como se saíssem intermináveis de uma cartola. Ontem mesmo, os meninos seguiram os cachorros, que farejavam à esmo, na floresta de rubis. Não é que encontraram uma ostra gigante? Lavaram-na, prepararam-na, enfeitaram-na como a uma cama, de onde escrevo agora, já quase dormindo.

Às vezes me pergunto se de fato não os tive, meus dois filhos poetas. Ouço o eco de seus gritos em rimas, vejo as pegadas de suas passadas desenhadas, somente ao lado deles, me entendo com a vida. Mas, não, não, antes duvido, talvez, sim, quem sabe, ninguém sabe de onde nascem os poetas. Quem sabe de fato não os tive? Se eu sou filha de sonhos, por que não poderia parir poetas?

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