Existo. Ou não

Sou loira dos olhos negros. Inventada. Sou a personagem em mim que esteve atenta o tempo todo, a que guardou, quebrou, misturou e pintou essas histórias. Sem ela, eu simplesmente não aprendo. Não conseguiria. Eu posso ser outras pessoas, uma grande alegria na vida duns, uma grande tristeza na vida doutros, mas, se escrevo, sou Cassandra. Se não sou, digo a ela: Cassandra, que saco! E a gente sai por aí. Discutindo e tomando uns goles. E a gente se mistura. A gente se conforta. Em Uberlândia, minha Macondo, minha London, minha Paris. O Alfredo? É meu incidente, reincidente.

quinta-feira, 24 de março de 2011

As paredes tinham 13 anos de idade

Não é que eu não saiba agora. Você sabe, eu nunca soube. Mas, aqui, agora, hoje, neste quarto, eu pego meu velho caderno de poesias e me entorpeço de uma coisa que parece saudade porque saudade é dor, não porque saudade é falta. De fato, nunca sinto falta do que fui ontem.

Rasgos, pedaços, as fotos de polaroide do cd do Pearl Jam, aquela época, eu de joelhos posando de santa em plena efervecência de pecados. Era bom? Acho que não porque, vc sabe, eu nunca soube. Achava que sim, achava que não, como quem anda numa corda bamba esperando ansiosamente o momento do tombo, e ai, como me decepcionei ao alcançar o outro lado do precipício! Vocês tinham razão, eu não presto pra isso de viver. Vocês foram ótimos, eu é que ia atormentada. Vou. Sou.

Ou me entorpeço porque as paredes deste quarto ouviram muitos - senão todos - os meus gritos. O velho pesadelo que me acompanhou durante anos: eu andando dentro das paredes que eram como corredores da prisão em mim. Ela presa em mim: não posso, não faço, não concordo, não espero, não quero, e aí? quando sai o tal momento derradeiro? Não. O niilismo se transforma em câncer nos poetas, diriam os psicossomáticos. Utilizei-me da hipocondria para explicar cada pedaço de desespero vomitado. Ouviu dizer por aí que a hipocondria salva? Eu disse.

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Estou em casa de mamãe, ouvindo os gritos surdos que deixei por aqui. Antes deste macio, eram dois colchões velhos se deformando no estrado, eu me deitava torta, tinha gastrite, insônia e achava ruim quando alguém dizia que gostava de mim, ah, isso são horas? Escrevia, escrevia, rasgava, rasgava, fiz um curso de magia, quis ser bancária. Enquanto gostavam de brigar e juntar coisas, eu gostei de colecionar mistérios que não me serviriam pra nada. Tive medo, e nunca entendi por que não passei fome nos invernos. Ouvi os outros dizerem que isso era certo. Erraram?

E tem esse fragmento de poema escrito aos 13 anos de idade, profético:

Lutarei indiscriminadamente contra mim mesma
Caminharei em prol do futuro como uma lesma
Terminarei meus dias na Terra pensado em nada
Gritarei ao mundo o que sinto, calada.

Como posso escrever verbos em futuro?
Se tudo que vejo à frente é escuro
Como posso querer advinhar algo tão perto e tão distante
E esquecer-me do que sinto agora neste instante?

As coisas acontecem
Independente de lua e razão
Elas só acontecem
Não querem saber da questão
E enquanto as pessoas se perdem
Tentando entender a vida
As coisas acontecem
Pra isso não há saída


As paredes tinham 13 anos. Dentro, uma velha criança sábia morava e quase se sufocava. Sei que te acusaram de escapista, Cassandra, mas, quem não gostaria de escapar do mofo e das teias de aranha? Sei que te acusaram de escapista, Cassandra, mas, quem sabe (?) não fosse mesmo hora de vazar por aquela porta? Velha criança bruxa sábia, linda, boa bisca, minha querida e delicada mentirosa. Quem sabe (?) só os amores possam segurar molhos de chave, Cassandra, quem sabe (?) só um amor que te prendesse pudesse abrir sua gaiola.

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