Existo. Ou não

Sou loira dos olhos negros. Inventada. Sou a personagem em mim que esteve atenta o tempo todo, a que guardou, quebrou, misturou e pintou essas histórias. Sem ela, eu simplesmente não aprendo. Não conseguiria. Eu posso ser outras pessoas, uma grande alegria na vida duns, uma grande tristeza na vida doutros, mas, se escrevo, sou Cassandra. Se não sou, digo a ela: Cassandra, que saco! E a gente sai por aí. Discutindo e tomando uns goles. E a gente se mistura. A gente se conforta. Em Uberlândia, minha Macondo, minha London, minha Paris. O Alfredo? É meu incidente, reincidente.

quarta-feira, 30 de março de 2011

A borboleta que nunca eclodiu

Acho que a Clarice Lispector também viu desabar uns pedaços de si com a chegada das chuvas, das enchentes. Então disse "até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro."

Não sabem, por exemplo, que eu mesma nunca me perdôo e só consigo perdoar os outros depois que os deixo ir. As mesmas notas que me massacram fazem as vezes de antídodos e me purificam. No começo, eu costumava me perguntar se viam a inconsistência contida em qualquer coisa, que nunca estiveram ali se um dia vão deixar de estar, que o tempo é uma mentira mal contada e que a felicidade é como um bicho fugidio, um gato selvagem que se aproxima, se deixa acariciar e depois engole a mão que lhe amacia.

Mas, até que eu chegasse a brincar com tigres, rir das bobagens do tempo e enxergar o que, das coisas, nunca deixa de estar... bom, é só dizer que já fui muito triste e não tenho, para contar, nenhuma grande catástrofe. Não é de hoje que vivo trancada em quartos, como a borboleta que nunca eclodiu.

Só se impressionam com a minha frieza os que conheceram meus arroubos de afeto, mas se impressionam porque não contam o tempo como eu conto. Eu não gosto de perdê-lo com bobagens, gosto de ganhá-lo com felicidade, de recheá-lo com as coisas que ficam. Umas vezes que só precisei de um abraço, coisa que nem custa dinheiro, ouvi as coisas mais estúpidas e porque chorei os olhos fora, me chamaram de lunática. Depois, quando mal lhes lembro o nome, me chamam de friática, mas quanto tempo acham que eu poderia suportar chorar às bicas? Sabe-se lá o que isso custa a um corpo humano? Não sabem que cada adeus irreversível me manteve viva mais um tempo e que, de outra forma, eu não saberia perdoar.

Por final, por esse lado, é ótimo ser muito orgulhosa e distante e, por isso mesmo, ter pactuado ir até o final da vida, mesmo sem achar que tenho qualquer das coisas que se exige para tanto. A começar por isso que acaba de ser dito, de não ter confiança sequer de que eu possa ir muito longe. Só posso então me orgulhar de ter chegado aos trinta. Até mesmo a vida parece ter se impressionado porque resolveu me presentear com o mais bonito dos amores. Agradeço de bom grado, mas ainda estamos aqui vida, você, eu, nosso pacto.

Também por ter sempre ficado na companhia dessas coisas que não se entende, vê-las me inundar de agonias chorosas, vê-las levar um tanto bom de meu tempo e inchar meus olhos, talvez por isso eu tenha aprendido que há o que se aprenda mas não se ensine nunca. Eu por exemplo sei que de nada se sente tanta falta quanto da felicidade, nada é mais triste do que vê-la partir para dar lugar a dias cinzas. O que não consigo ensinar é que não é tão difícil assim fazê-la ficar. Umas vezes, só é preciso um abraço.

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