Existo. Ou não

Sou loira dos olhos negros. Inventada. Sou a personagem em mim que esteve atenta o tempo todo, a que guardou, quebrou, misturou e pintou essas histórias. Sem ela, eu simplesmente não aprendo. Não conseguiria. Eu posso ser outras pessoas, uma grande alegria na vida duns, uma grande tristeza na vida doutros, mas, se escrevo, sou Cassandra. Se não sou, digo a ela: Cassandra, que saco! E a gente sai por aí. Discutindo e tomando uns goles. E a gente se mistura. A gente se conforta. Em Uberlândia, minha Macondo, minha London, minha Paris. O Alfredo? É meu incidente, reincidente.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Morando sozinha

Todas essas coisas me intrigam tanto, como se houvesse um sentido oculto que eu estivesse a ponto de descobrir. Tem servido como combustível para me levantar nos dias ruins: saber o que há por trás das cortinas. No começo, não gostei de ficar sozinha. O silêncio  me incomodou imensamente, cheguei a ligar a tv em horário de novelas. Depois me acostumei com as janelas fechadas e passei a bagunçar a casa como se isso fosse um grito de liberdade, tudo em silêncio. Às vezes Kasbian. Então chorei de cansaço e o silêncio passou a ser necessário.

Há um bar próximo ao apartamento, às vezes se fazem alcançar as vozes altas e bêbadas do happy hour da periferia quando não músicas sertanejas ou evangélicas.  Nada disso me desagrada, é como se fizesse parte do meu silêncio. Meu silêncio faz minha própria voz soar tão alta, que os sons vindos da rua são como um coro distante que desfaz um pouco minha solidão.

Minha curiosidade está sempre nas cortinas, por elas eu só entrevejo. Por vezes, tanto entrever causa vertigens, não sei mais para onde estou indo, custo me lembrar do que fazia antes. Eu faço escolhas estranhas, escolho reverenciar Netuno, oferecer-lhe todos os meus vícios, esfriar minha cabeça meses a fio, como sob um chuveiro gelado, indo a festas, curando ressacas com brigas violentas e discussões com não sei mais quem. Mesmo Netuno parece me olhar decepcionado.

Tentei por exemplo fumar menos, por isso não comprei cigarros. Tenho que admitir: sentei-me mais ereta para escrever e trabalhei quase fervorosamente. Para uma pausa, escolhi fazer um exercício de respiração preparatório para meditação. Tenho que admitir: me senti tão energizada que resolvi abrir a janela da sala. Pensei na bobagem que é fumar, auto-envenenamento. Quando me virei para voltar a trabalhar, avistei caído próximo à mesa de computador um apetitoso cigarro. Primeiro cruzei as duas mãos sobre o peito e dei um sorriso maroto seguido de pulinhos alegres. Voltei à janela para fumar e assistir ao sol branco de maio brilhar nas piscinas do clube à frente.

As cortinas balançavam, eu só entrevia. Embora o dia estivesse claro, o céu azul, as coisas em seus lugares, as saudades bem guardadas, eu tinha medo de que essas conversas com Netuno atraíssem tempestades. Meti a cabeça para fora da janela e nem sinal de chuva: o mundo brilhava e eu fumava um cigarro como alguém feliz que fingia estar triste só para ajustar-se ao silêncio do aparamento vazio.

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