Existo. Ou não

Sou loira dos olhos negros. Inventada. Sou a personagem em mim que esteve atenta o tempo todo, a que guardou, quebrou, misturou e pintou essas histórias. Sem ela, eu simplesmente não aprendo. Não conseguiria. Eu posso ser outras pessoas, uma grande alegria na vida duns, uma grande tristeza na vida doutros, mas, se escrevo, sou Cassandra. Se não sou, digo a ela: Cassandra, que saco! E a gente sai por aí. Discutindo e tomando uns goles. E a gente se mistura. A gente se conforta. Em Uberlândia, minha Macondo, minha London, minha Paris. O Alfredo? É meu incidente, reincidente.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Um daquele despenhadeiro

Eu me lembro daquela menina que me chamou de covarde
que era só pular naquela tarde
daquele despenhadeiro

eu era velha, ela era jovem
eu me calei sem alarde
e me escondi atrás de um rochedo

hoje vejo, hoje me lembro
ela altiva, sua boca enorme
cuspindo verdades entre salivas
enquanto eu saía de fino
mal bem via a saída

eu era velha, ela era jovem
ela, altiva, sua boca, enorme

hoje vejo, hoje entendo
ela agora, sua boca muda
mastigando tristezas entre o silêncio
do que ela fora outrora

Naquela tarde, naquele dia
eu bem que poderia
ter dito a verdade
sobre o despenhadeiro

Ora, se eu era covarde
Era covarde àquela hora
Porquanto já houvesse sido um dia
Tanto quanto ela, corajosa

Mas a coragem não se perde aos poucos
(como se pensa)
nem dia após dia
(como se rememora)
vai-se de uma tacada inteira embora
de quem sobrevive à queda
de um daquele despenhadeiro

mas não vai só, é verdade
leva consigo também o medo

Ah, eu bem que poderia
ter dito a verdade de um só jeito
mas a mim, ela era surda
e só ouvia ao chamado do pulo
só ouvia ao chamado da glória
da sobrevida ao despenhadeiro

Hoje vejo e me pergunto
se a coragem não se fez para se perder
ou se não, não se veria nunca
que, o que a vida pede,
é o que pede um daquele despenhadeiro:
nem medo, nem despeito
mas respeito.

Eu pensei, eu não disse
Para não desperdiçar palavras sábias
que passam ao largo dos ouvidos jovens

Eu não pulei, você, menina
Pulou bem, alto, para cima
e ouviu vibrar em queda os conselhos
da garganta do despenhadeiro

Levou sua coragem, não foi?
Mas também levou seu medo
Quiçá não chame mais de covarde ou pura coragem
Quem só merece respeito

A velha aqui, a vida,
ai e aquele...
ai um daquele despenhadeiro!

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