Existo. Ou não

Sou loira dos olhos negros. Inventada. Sou a personagem em mim que esteve atenta o tempo todo, a que guardou, quebrou, misturou e pintou essas histórias. Sem ela, eu simplesmente não aprendo. Não conseguiria. Eu posso ser outras pessoas, uma grande alegria na vida duns, uma grande tristeza na vida doutros, mas, se escrevo, sou Cassandra. Se não sou, digo a ela: Cassandra, que saco! E a gente sai por aí. Discutindo e tomando uns goles. E a gente se mistura. A gente se conforta. Em Uberlândia, minha Macondo, minha London, minha Paris. O Alfredo? É meu incidente, reincidente.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Espelhos

Nem sempre as pessoas estão feitas de carne e osso. Umas vezes estão feitas duma cara feia que faz seu cheiro ficar ruim, sua boca entortar para baixo, não sei, umas vezes as pessoas parecem estar feitas dum troço inominável, capetoso.

Mas nem sempre foram assim. Já foram feitas de carne e osso, imagino. Passei a imaginar que sim depois do dia em que presenciei uma das pessoas mais gentis ter sua boca entortada, daquele jeito, para baixo. Cismou de ser a pessoa mais infeliz do mundo, quis fazer o resto do mundo infeliz também. Era pra não se sentir tão sozinha, nada de mal. Eu é que estranhei.

O pessoal da psicologia já havia me dito que podia ser espelho, então podia ser que a boca se entortando fosse minha, e o resto do que eu estivesse vendo não condissesse. Na época, eu andava mais para as práticas do que para as sabedorias, então, só havia um jeito de saber a verdade: enfiei-lhe um soco nas fuças, se fosse espelho, oras, se quebraria.

Mas não é que depois do ocorrido minha boca mesmo entortou-se para cima num sorriso que durou um ano e meio? A ausência daquela presença fétida era um alívio. Não sei. Não sei. Alguma coisa nas teorias psicológicas das quais tentei extrair qualquer cura retirou a coerência dos meus textos.

O que me parece mais certo é que, a certa altura, quando se deixa ser tomado pelos vertiginosos sentimentos de armagura, toda a carne e todo o osso do corpo, apodreçam. Os urubus metafísicos que circundam essas almas, certamente atraídos pelo mau cheiro, podem ser vistos a olhos nus por outras almas, digamos assim, mais sensíveis... mas aí, sempre chega um da psicologia com essa história mal contada de espelho, e as almas, digamos assim, mais sensíveis, são capazes de perder horas e mais horas tentando encontrar seus próprios defeitos. Bobagem, perda de tempo. Vale mais, logo e pronto, socar as fuças dessas espécies de zumbis. O alívio é imediato e certeiro.

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