Existo. Ou não

Sou loira dos olhos negros. Inventada. Sou a personagem em mim que esteve atenta o tempo todo, a que guardou, quebrou, misturou e pintou essas histórias. Sem ela, eu simplesmente não aprendo. Não conseguiria. Eu posso ser outras pessoas, uma grande alegria na vida duns, uma grande tristeza na vida doutros, mas, se escrevo, sou Cassandra. Se não sou, digo a ela: Cassandra, que saco! E a gente sai por aí. Discutindo e tomando uns goles. E a gente se mistura. A gente se conforta. Em Uberlândia, minha Macondo, minha London, minha Paris. O Alfredo? É meu incidente, reincidente.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Berenice


Queixo proeminente, olhos sorridentes: assim é Berenice. Olhos sorridentes eu disse, mas os sorrisos desses olhos me causam arrepios, vez ou outra, nojo. Porque eu sei que ela guarda em cantos de si o insano prazer de ver seu poder despedaçar os outros e, todo sorriso seu, parece estar intimamente ligado a isso.  Amacia a voz, estuda sua presa, aplica o golpe com delicadeza e, slap, rouba o que for do outro, depois se orgulha de seus botões: como sei apertar meus botões, diz! Como sou boa atriz! Ainda mais se a amam, qualquer um desses, para ela, é dos mais bobos. Desconhece boas intenções embora as apresente constantemente em convenções vestida umas vezes de pérolas, outras, de trapos. Berenice, a qualquer momento, fana. 

Sua consciência entorpecida ouve uma voz repetir: não quero causar nenhum mal aos outros, quero, entretanto, todo bem apenas para mim. Os que enxergam melhor vêem suas agendas tomar refeições de pobres, dinheiro de trabalhadores, lágrimas de sensíveis, dignidade de crianças. Berenice, entretanto, afirma que não nada frauda, os outros é que bem lhe pagam sua adorável companhia. Estúpida, amarelada, engajada em comunicar-se apenas com quem puder lhe trazer algum benefício, tenha muito cuidado quando Berenice estiver em sua casa, algo ali, será destruído.

Mas não somente atrás de si se vê tanta destruição. À frente também, cara Berenice que usa óculos coloridos para não enxergar sua própria imundice. Jogada entre as quinquilharias do mundo, despida da consciência que lhe ensinaria porquês, Berenice vê seus sonhos se despedaçarem como castelos de areia que mal foram construídos. Ela não sabe que, sozinho, não se constrói nem uma tapera nesta vida. Mas, para os que dizem: “pobre Berenice! Jogada entre as quinquilharias do mundo!” ela guarda o velho sorriso: os olhos refletem a presa que alimentará sua fome de círculos: uma vida inteira espalhando sofrimentos minúsculos, quanto desperdício! Berenice está presa em sua própria cadeia de vícios, mas anda solta pelas ruas, adorando seu próprio umbigo. Cuidado se a vir e, se puder fazer isso por mim, meta-lhe logo um tapa no ouvido.  

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